quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Breve história da pirobalística japonesa (séc. XVI)


    As armas de fogo chegaram ao Japão com a chegada acidental dos portugueses à ilha de Tanegashima em 1543. Segundo as crónicas, Francisco Zeimoto, António Peixoto e António da Mota integravam a tripulação da uma embarcação portuguesa capitaneada por Diogo de Freitas. Ao ancorar no Sião, os três decidiram embarcar num junco chinês com destino à  China. No entanto, a embarcação foi fustigada por uma violenta tempestade quando se dirigia às ilhas chinesas de Liampo, o que fez com que a embarcação se desviasse da rota e acostasse à ilha japonesa. Desta forma fortuita, os três navegadores portugueses tornaram-se os primeiros europeus a visitar o misterioso arquipélago do Cipangu (ou Ji-pangu) mencionado por Marco Polo na narrativa da sua viagem pela China em 1291. Como os portugueses chegaram a terras nipónicas pelo Sul, através do mar da China, os japoneses apelidaram os visitantes europeus como ‘namban-jin’ (‘bárbaros do Sul’), pois para além de oriundos de latitudes meridionais, os portugueses eram pouco cuidadosos com a sua aparência e de modos rudes em comparação com os japoneses.

   Certo dia, Francisco Zeimoto, ao passear pela ilha na companhia de Tanegashima Tokitaka, senhor feudal (daimyo) de Tanegashima, fez uso de uma espingarda que trazia consigo para caçar alguns patos. Totitaka, surpreendido pelo efeito da arma de fogo, pois eram desconhecidas pelos japoneses, tomou a decisão de negociar prontamente com os portugueses a aquisição dessas mesmas armas, para assim instruir os seus súbditos no seu manuseamento. Zeimoto ofereceu a sua arma a Tokitaka, explicando-lhe o processo de fabrico da pólvora, tal foi o fascínio provocado pela arma e a vontade que o navegador tinha de agradecer o acolhimento caloroso que ele e os seus companheiros tinham recebido na ilha.
  
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   As armas de fogo (sobretudo espingardas/arcabuzes) passaram a ser conhecidas no Japão como ‘Tanegashimas’, referência ao nome da ilha onde estas foram introduzidas e rapidamente se expandiram por todo o arquipélago, tendo sido amplamente procuradas por um significativo número de senhores feudais seduzidos pela pirobalística europeia, vendo na sua aplicação bélica um factor relevante para a supremacia no campo de batalha em tempo de guerra e como um deterrente indirecto em tempos de paz. A novidade das armamento pirobalístico é, de certa forma, o factor crucial por detrás da boa recepção e tratamento dos portugueses no Japão.

   Oda Nobunaga, daimyo da província de Owari (região central da ilha de Honshu, a maior ilha do arquipélago japonês) e um dos denominados “Três Grandes Unificadores do Japão” afirmou: “As armas de fogo converteram-se na última tendência mas pretendo converter a lança na arma da qual dependa a sorte da batalha”. O tempo necessário para colocar uma espingarda em posição de disparo e a fraca potência do projéctil preocupava Nobunaga como estrategista. Por outro lado, o clima japonês, tendencialmente húmido em comparação com o clima europeu, fazia com que as mechas originais utilizadas para disparar ficassem molhadas com frequência, inutilizando a arma temporariamente. Factores críticos a ter em conta, sobretudo quando ocorriam no calor de uma batalha e que se podiam revelar como eventuais pontos fracos passíveis de ser aproveitados pelos exércitos inimigos, o que explica, em parte, as reservas que alguns senhores da guerra (como Nobunaga) guardavam em relação a uma primeira fase de inclusão de armas de fogo nos respectivos exércitos.


 

   Apesar de alguns problemas iniciais no que diz respeito à adaptação das armas de fogo ao contexto bélico japonês e de forma a colmatar e anular o melhor possível eventuais falhas indesejáveis, os japoneses rapidamente introduziram melhorias técnicas: desenvolveram um dispositivo que permitia que os fechos de mecha funcionassem debaixo de chuva, melhoraram o gatilho e a serpentina (alavanca de mecha). Desenvolveram também uma técnica de tiro por descarga cerrada e aumentaram o calibre das espingardas.

   Os árabes, assim como os indianos e os chineses, haviam adoptado e desenvolvido armamento pirobalístico muito antes dos japoneses. Contudo, apenas os japoneses atingiram o domínio do fabrico em larga escala num contexto de indústria nacional. Em 1560, dezassete anos depois da sua introdução em terras nipónicas, as armas de fogo eram utilizadas de forma eficaz nos campos de batalha, sobretudo nos grandes cenários de guerra. Neste mesmo ano está relatada a morte de um general protegido por uma armadura completa em consequência do disparo de um projéctil. Em 1567, Takeda Shingen, daimyo da província de Kai, declarou: “A partir de agora, as armas de fogo serão as armas mais importantes.”. Tinha razão. Menos de três décadas depois de a pirobalística ser introduzida no Japão, existiam mais espingardas no Japão do que em qualquer outro país do mundo. Vários senhores da guerra japoneses possuíam mais armas de fogo que todo o exército do rei de Inglaterra. Em 1572, na batalha de Kizaki (ou Kizakihara), o exército do clã Shimazu, liderado por Shimazu Takahisa, derrotou o exército de Ito Yoshisuke apesar dos números superiores do exército Ito: 300 homens de Shimazu contra cerca de 3000 do clã Ito. A vantagem que concedeu a vitória deveu-se ao facto de o contingente de Shimazu ser composto inteiramente por artilheiros, tornando Kizaki o primeiro cenário de batalha onde as armas de fogo foram usadas de forma exclusiva por parte de um exército. Desta forma, a pirobalística anulou eficazmente a ameaça da superioridade numérica, tornando-a praticamente irrelevante no contexto da batalha.


   Ironicamente seria o exército de Oda Nobunaga que viria a dominar a nova tecnologia das armas de fogo no campo de batalha, apesar das críticas iniciais à implementação da pirobalística em batalha por parte do próprio Nobunaga, que também utilizou pessoalmente.  Este domínio está no cerne de um dos episódios bélicos mais relevantes e significativos dos inícios do Período Azuchi-Mamoyama, no qual as armas de fogo despenharam um papel decisivo: A 28 de Junho de 1575, no castelo de Nagashino, 3000 teppo ashigaru (soldados de infantaria ligeira de artilharia) do exército Oda, armados com espingardas e protegidos por barricadas de madeira (a primeira vez que estas foram implementadas em batalha), complementados por um contingente de lanceiros (yari ashigaru, preparados especificamente para enfrentar cavalaria, assim como naginata ashigaru) enfrentaram com sequências alternadas de tiros as cargas da famosa cavalaria samurai do exército do clã Takeda (liderado por Takeda Katsuyori, filho e sucessor de Shingen), arrasando as investidas dos cavaleiros e anulando aquele que era o grande trunfo do clã Takeda no campo de batalha, assegurando o caminho para a vitória de Oda Nobunaga. Não existia honra nesta estratégia de combate, mas era definitivamente eficaz, razão prioritária para muitos daimyo adoptarem a pirobalística de maneira a fazer valer a sua supremacia bélica sobre os seus inimigos. 

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Batalha de Nagashino (Oda-Tokugawa VS Takeda) - 1575

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Teppo Ashigaru
Nagashino foi um momento de viragem na história do Japão e a abordagem dos japoneses à sua ‘arte da guerra’, de longa tradição, nunca mais seria a mesma. Durante séculos, as guerras feudais levadas a cabo por exércitos samurai haviam (re)definido o balanço do poder regional entre os senhores feudais, No entanto, a abordagem à guerra era, regra geral, levada a cabo em pé de igualdade no que diz respeito a princípios orientadores, técnicas e recursos bélicos. É plausível falar de exércitos especializados, como é o caso do clã Takeda, que como já foi referido, se especializou na cavalaria tornando-a num  forte elemento do seu exército. Existiam outros dignos de nota, como o exército de Uesugi Kenshin (clã Uesugi, da província de Echigo) que integrava contingentes significativos de monges guerreiros budistas (sohei) . No entanto, apesar das diferenças entre os exércitos, nunca existira um factor determinante que fosse catalisador de uma supremacia real e decisiva de um daimyo sobre os seus inimigos ao ponto de definir, pela conquista e posterior anexação territorial, uma mudança de fundo no mapa político-administrativo do Japão feudal numa perspectiva nacional e não apenas regional. Esse factor só chegaria com Oda Nobunaga e a ‘especialização’ do seu exército na pirobalística, entre outras razões.

 Nobunaga, com o seu exército de ashigarus equipados com armas de fogo, revolucionou decisivamente o campo de batalha e conquistou um grande território na região central de Honshu por via da anexação de um número significativo de províncias retiradas aos seus inimigos, contribuindo para o fim (gradual) das guerras feudais (Período Sengoku) ao dar o primeiro passo daquela que seria a unificação definitiva do Japão, sendo esta consolidada pelo seu sucessor, Toyotomi Hideyoshi e concluída por Tokugawa Ieyasu no virar do século XVI.




   As armas de fogo mudaram drasticamente a perspectiva dos japoneses face ao campo de batalha. No entanto, após as exibições e apresentações, os guerreiros (bushi) enfrentavam-se em combate singular que permitia enaltecer o heroísmo individual. Os samurai, protegidos com armaduras, protegidos com armaduras (cuja concepção oferecia simultâneamente um elevado nível de protecção e flexibilidade de movimentos) altamente treinados, tinham todas as vantagens em combate corpo-a-corpo. Mas as armas de fogo permitiram o recrutamento em massa de soldados não profissionais, cujos números e eficácia em combate à distância permitiam uma vantagem significativa face aos samurais. Compreensivamente, os bushi consideravam as armas de fogo indignas e desonrosas o que explica, em parte, o facto de os guerreiros que se tornavam heróis aos olhos dos seus pares serem normalmente os que recorriam à espada e lança (entre outras técnicas tradicionais) como armas de eleição.


segunda-feira, 26 de novembro de 2012

O Futuro

    «O futuro de Portugal é uma preocupação para todos nós. E o futuro evidentemente de cada país estará nas estruturas que for capaz de criar para a cada dia mais renhida concorrência internacional em mercados cada vez mais abertos e mais vastos.
     Há suficientes sinais de que o Japão, após um século de laboriosa assimilação do Ocidente, está a entrar numa nova fase, na fase de criação. Alguns modernos
sociólogos prevêem que o Japão será a grande potência do século XXI. Venha ou não a ser a primeira, será certamente uma das maiores. O Japão continuará a precisar de um país amigo que lhe preste, num jogo de recíprocos interesses, uma base de assentamento económico e comercial para poder entrar nos mercados do continente europeu.
     É nossa convicção de que nenhum outro país possui uma identidade maior de interesse com o Japão, neste sentido, do que Portugal. E a velha amizade do primeiro país do Ocidente que desembarcou nas praias do Japão pode tornar-se numa base de entendimento e de construção no futuro.»

      Armando Martins Janeira
'O Impacte Português sobre a Civilização Japonesa' (1970)